maio 13, 2013

Amor desmedido






E... se no meio de um beijo, de um toque, de uma dança de gestos suaves, não te arrepiasses? Se a tua pele sentisse que te estão a arrepanhar o coração, a fazer-te sentir emoções que não queres? Se te fosse obrigado a gostar, a idolatrar alguém a quem tu, a certo ponto, nem recordas o nome? E se te impuserem padrões tão estruturadamente bem dispostos a colaborar com tudo o que é “certo e sabido”, como reagirias? O que é feito do “Gosto de ti” que, agora e daqui em diante, se transformou num “Amo-te” forçado em cada letra? Que foi feito dos olhares profundos, da sensação de libertação completa, quando estamos com a nossa alma gémea? Que é feito disso, leitor? Almas gémeas são coisas do passado, coisas dos velhos dos outros tempos… As crianças já não querem disso e, verdade que seja dita, nem deviam querer. Almas gémeas dão dores de cabeça, fazem-nos chorar e gritar muitas vezes, fazem-nos ver a vida com os olhos do outro, e não com os nossos – faz-nos ficar cegos de amor, cegos de vida. Faz-nos parecer loucos, doentes, angustiados, depressivos. Ainda o leitor acha que alma gémea é coisa boa, vinda do céu? Hum, acha tão bem quanto devia. Amar não é, nem devia nunca de ser, uma palavra dita ao acaso. Não podemos dizer que amamos, algo que simplesmente gostamos. Eu gosto de sorrir, gosto de sair à noite, gosto de comer pipocas repletas de um açúcar desmedido, gosto de fazer desporto para combater a celulite que, embora eu ache que não, está sempre a aumentar nos meus glúteos, gosto de lasanha, gosto de fumar um cigarro e beber uma imperial à beira-mar com a minha melhor amiga, gosto de alegria, de paz, de amizade que contagia. E podia até, neste descontrolo de enúmeros gostos, ficar aqui até amanhã… Gosto de tantas coisas, leitor, coisas diversas como as cores do céu e o sabor do vento. Nós não gostamos do amor da nossa vida, nós amamos sem decifrar bem a percentagem desse amor, amamos sem explicação, sem enumerações, sem interrupções, com todos os calafrios a que temos direito e, como se não bastasse, amamos porque queremos, porque sabemos, porque nos faz mal e bem e uma mistura desses sentimentos. Oh, o que a minha avó ama o meu avô, todos os dias mais e mais, sem nunca parar para pensar noutra coisa sem ser a felicidade da pessoa com quem se expôs. Não me obriguem a dizer que amo pessoas, que amo sensações ou momentos, não me criem um estereótipo de rapaz-ideal, que isso é coisa de meninas sem miolo nem juízo. Eu amarei quando tiver de amar, porque nós nunca sabemos porque é que amamos e… apesar de tanta sabedoria que um só amor contém, nunca serão precisos dicionários para o amor, porque quando amar, eu saberei que estou a amar, só pelo simples facto de senti-lo a correr pelas veias. Amor indisciplinado, que nos sufoca, vais dizer que já sentiste o prazer de um “para sempre” dito por um simples – e tão complexo – olhar?

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Ana Silvestre

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