E... se no meio de um beijo, de um toque, de uma dança de
gestos suaves, não te arrepiasses? Se a tua pele sentisse que te estão a
arrepanhar o coração, a fazer-te sentir emoções que não queres? Se te fosse
obrigado a gostar, a idolatrar alguém a quem tu, a certo ponto, nem recordas o
nome? E se te impuserem padrões tão estruturadamente bem dispostos a colaborar
com tudo o que é “certo e sabido”, como reagirias? O que é feito do “Gosto de
ti” que, agora e daqui em diante, se transformou num “Amo-te” forçado em cada
letra? Que foi feito dos olhares profundos, da sensação de libertação completa,
quando estamos com a nossa alma gémea? Que é feito disso, leitor? Almas gémeas
são coisas do passado, coisas dos velhos dos outros tempos… As crianças já não querem
disso e, verdade que seja dita, nem deviam querer. Almas gémeas dão dores de
cabeça, fazem-nos chorar e gritar muitas vezes, fazem-nos ver a vida com os
olhos do outro, e não com os nossos – faz-nos ficar cegos de amor, cegos de
vida. Faz-nos parecer loucos, doentes, angustiados, depressivos. Ainda o leitor
acha que alma gémea é coisa boa, vinda do céu? Hum, acha tão bem quanto devia.
Amar não é, nem devia nunca de ser, uma palavra dita ao acaso. Não podemos
dizer que amamos, algo que simplesmente gostamos. Eu gosto de sorrir, gosto de
sair à noite, gosto de comer pipocas repletas de um açúcar desmedido, gosto de
fazer desporto para combater a celulite que, embora eu ache que não, está
sempre a aumentar nos meus glúteos, gosto de lasanha, gosto de fumar um cigarro
e beber uma imperial à beira-mar com a minha melhor amiga, gosto de alegria, de
paz, de amizade que contagia. E podia até, neste descontrolo de enúmeros
gostos, ficar aqui até amanhã… Gosto de tantas coisas, leitor, coisas diversas
como as cores do céu e o sabor do vento. Nós não gostamos do amor da nossa
vida, nós amamos sem decifrar bem a percentagem desse amor, amamos sem
explicação, sem enumerações, sem interrupções, com todos os calafrios a que
temos direito e, como se não bastasse, amamos porque queremos, porque sabemos,
porque nos faz mal e bem e uma mistura desses sentimentos. Oh, o que a minha
avó ama o meu avô, todos os dias mais e mais, sem nunca parar para pensar
noutra coisa sem ser a felicidade da pessoa com quem se expôs. Não me obriguem
a dizer que amo pessoas, que amo sensações ou momentos, não me criem um
estereótipo de rapaz-ideal, que isso é coisa de meninas sem miolo nem juízo. Eu
amarei quando tiver de amar, porque nós nunca sabemos porque é que amamos e… apesar
de tanta sabedoria que um só amor contém, nunca serão precisos dicionários para
o amor, porque quando amar, eu saberei que estou a amar, só pelo simples facto
de senti-lo a correr pelas veias. Amor indisciplinado, que nos sufoca, vais
dizer que já sentiste o prazer de um “para sempre” dito por um simples – e tão
complexo – olhar?
***
Ana Silvestre
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